terça-feira, 7 de outubro de 2008

“A crítica é covarde”



Crítico avalia: linguagem do cinema nacional, Festival do Rio 2008 e seu próprio trabalho


Em meio à correria da redação de um jornal, Rodrigo Fonseca – repórter e crítico de cinema em O Globo – nos recebeu para conversar sobre a grande agitação do mercado cinematográfico no segundo semestre de 2008. O bonequinho, como também é conhecido pelo grande público da imprensa, comentou a pré-estréia de “Ultima Parada 174” ; discursou sobre a linguagem cinematográfica nacional que, cada vez mais, pende para o documentário; e declarou que reprova a atitude da crítica em relação a filmes violentos.

Tudo é cult: Que avaliação você faz do filme “Última Parada 174” de Bruno Barreto?
Rodrigo Fonseca: O Bruno Barreto é um diretor mais artesanal, domina isso e sabe filmar. O “174” tem essa marca. A diferença entre os outros filmes, que cria um charme para a obra, é que esse não tem rostos conhecidos, a não ser o Douglas Silva (Acerola - Cidade dos Homens). Ele aparenta ser um diretor que tem suas obras feitas em cima da oposição entre o livre arbítrio e a opressão do meio. Ou seja, os personagens têm vontade de fazer uma coisa, mas são obrigados a fazer outra. O “174” é assim.

"Tem gente que acha que o cinema será só documentário. Se isso acontecer vai ser a falência do cinema"


TC: Foi correta a escolha do “Última Parada 174” para concorrer ao Oscar?
Rodrigo: Eu escolheria o “Estômago”, porque é melhor, uma co-produção e um filme que já foi comprado pelos EUA, para ser refeito lá. Agora, o “174” tem uma coisa: o Oscar gosta de grife; Bruno Barreto é um nome conhecido; que tem o maior número de bilheteria do Brasil; e uma indicação ao Oscar, que é um referencial.

TC: Por que os filmes que fazem mais sucesso no Brasil são influenciados pelo documentário? Isso pode se tornar um estigma do cinema nacional?
Rodrigo: Sempre existiram filmes que dialogavam com o real. O que acontece é que a realidade se tornou uma coisa muito assustadora. Como acreditar em Bruce Willians em “Duro de Matar”, quando acontece uma coisa como o atentado de 11 de setembro? A ficção passou a buscar o horror da realidade para se manter. E ainda tem o fato de o jornalismo estar muito empobrecido, por causa da internet. O cinema passou a assumir esse papel de informar mais profundamente. Mas esse diálogo com o documentário é passageiro. Tem gente que acha que o cinema será só documentário. Se isso acontecer vai ser a falência do cinema. A ficção é uma coisa muito mais forte que o documentário: ela vem do onírico do ser humano.

"A crítica morre de medo e vergonha de admitir que a violência é inerente ao ser humano"


TC: Como a crítica vê a violência extrema nos filmes?
Rodrigo: A crítica morre de medo e vergonha de admitir que a violência é inerente ao ser humano. Ela tem pavor de encarar isso, porque não quer entrar num terreno que não é balizado pela ética. E sai com uma solução que é muito barata: achar que é mais fácil filmar violência. O homem tem que ser muito covarde ou hipócrita para não dizer “eu quero que esse cara morra” assistindo um filme como “174”.

TC: Quais as principais características do cinema brasileiro?
Rodrigo: O cinema brasileiro é muito excludente, mesmo quando o cara faz um filme popular. E o documentário, em grande parte, é o culpado disso. O mundo se resume a O mundo se resume ao Leblon, Ipanema, Cantagalo e São Conrado. Não há filmes que digam “Olha, a Penha existe”, ninguém filma Vila Isabel. Até o “Mistério do Samba” (filme sobre a velha guarda da Portela) mostra uma Madureira inexistente. Os diretores criaram um código de ética na produção, que dita como tudo que há de polêmico deve ser tratado. Além disso o cineasta brasileiro tem tanto medo de filmar uma fórmula americana, de fazer uma comédia romântica, que se ferra, pois acaba construindo um diálogo que as pessoas assistem e não se reconhecem nele. Houve um tempo em que a qualidade técnica era muito ruim e há um preconceito, por parte do público, que vem dessa época. De um tempo pra cá, houve uma explosão infinitamente qualificada e invejável de gêneros, de modos de fazer, de artistas e de arte. Nesse aspecto, poucas cinematografias têm o vigor da nossa.

TC: Qual a importância do Festival do Rio 2008?
Rodrigo: Sinceramente, eu acho que é o evento cultural nacional mais importante, pelo menos do sudeste, sem dúvida nenhuma. Só tem uma coisa, esse ano, comparável a isso: a vinda da Madonna ao Brasil.

TC: Em relação à Premiére Brasil, qual filme tem maior chance no Festival?
Rodrigo: É difícil apontar. “Apenas o fim”, longa de Matheus Sousa, um aluno da PUC, é excelente. Ele fez uma coisa que o cinema brasileiro não consegue: falou da geração dele – vinte a trinta anos - de uma maneira muito interna. O diferencial é que ele escreve muito bem, os diálogos do filme são muito bons.

TC: O que você achou do filme “Ensaio sobre a cegueira” de Fernando Meirelles, que, após Cannes, teve algumas cenas cortadas?
Rodrigo: Eu acho um belo filme: o melhor filme dele. Ele foi modificado por causa da crítica. O Fernando cedeu desnecessariamente, com isso ele perdeu. Estava melhor antes. Mas como o filme é muito intenso, o cara mexe e a obra se preserva.